“Portas Giratórias” entre funções judiciais e políticas

Tendo sido tornado público que o Conselho Superior da Magistratura vai analisar a possibilidade de propor limitações ao exercício de funções em cargos de nomeação política por juízes, a ASJP expressa o seu apoio a essa iniciativa, na sequência das posições que tem vindo a defender a esse propósito.

1. No documento Compromisso Ético dos Juízes Portugueses – Princípios para a Qualidade e Responsabilidade, aprovado em 2008, os juízes acolheram os seguintes princípios orientadores:

“Sem prejuízo das situações legalmente previstas, o juiz, para preservar a sua independência e imparcialidade, rejeita a participação em actividades políticas ou administrativas que impliquem a subordinação a outros órgãos de soberania ou o estabelecimento de relações de confiança política. Se, ainda assim, aceitar exercer tais actividades, é adequado que cesse ou suspenda voluntariamente a qualidade de juiz nos termos estatutariamente previstos”;

“Os juízes rejeitam a participação em actividades extrajudiciais que ponham em causa a sua imparcialidade e que contendam ou possam vir a contender com o exercício da função ou que condicionem a confiança do cidadão na sua independência e na imparcialidade da sua decisão”.

2. No Parecer de Novembro de 2018, durante o processo legislativo de revisão do Estatuto dos Magistrados Judiciais, a ASJP propôs a eliminação da possibilidade de os juízes exercerem funções em cargos de confiança política ministerial.

A proposta não foi aceite pela Assembleia da República.

3. No documento Reforço da Transparência e Integridade na Justiça, de Novembro de 2020, dirigido ao Conselho Superior da Magistratura e ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a ASJP propôs a alteração das práticas dos conselhos superiores no que respeita à nomeação de juízes para comissões de serviço não judiciais em cargos que impliquem o estabelecimento de relações de confiança ou dependência de interesses de natureza política, económica, empresarial, desportiva ou outra, incompatíveis com a percepção pública de independência e imparcialidade da justiça.

Defendeu, ainda, uma alteração do Estatuto dos Magistrados Judiciais, no sentido de vir a ser proibido o regresso a funções judiciais após o exercício, pelos juízes, dos cargos políticos previstos na Lei 37/87: Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, deputado à Assembleia da República, membro do Governo, deputado ao Parlamento Europeu, Representante da República nas regiões autónomas, membro de órgão de governo próprio de região autónoma e membro de órgão representativo de autarquia local.

O Conselho Superior da Magistratura recusou, nessa altura, abrir a discussão sobre esta matéria, não tendo, sequer, aceitado receber a ASJP.

4. A ASJP lembra, também, que a questão das “portas giratórias” entre política e justiça tem estado nas preocupações de diversas instituições internacionais de referência.

No documento Prevenção da Corrupção, Membros do Parlamento, Procuradores e Juízes, Conclusões e Tendências, o GRECO – Grupo de Estados Contra a Corrupção manifestou reservas em relação ao exercício de actividades de natureza política por juízes que não cessaram funções e às “portas giratórias” entre política e justiça.

O CCJE – Conselho Consultivo dos Juízes Europeus, nos pareceres 3 (2002), sobre ética e responsabilidade dos juízes, e 21 (2018), sobre corrupção judicial, expressou o entendimento de que o juiz não deve ter qualquer actividade política capaz de comprometer a independência ou de pôr em causa a aparência de imparcialidade.

No Relatório da 4ª Reunião do Grupo de Integridade Judicial das Nações Unidas, a propósito dos padrões de conduta judicial, defendeu-se que o juiz apenas pode desempenhar funções noutros cargos se não forem inconsistentes com a percepção de imparcialidade e neutralidade política.

O Centro Internacional para a Prevenção Criminal, no documento Fortalecer a Integridade Judicial contra a Corrupção, considerou como indicador de percepção pública de corrupção judicial a nomeação para cargos resultantes de confiança politica.

5. Devendo estabelecer-se uma adequada distinção entre funções, no Governo ou noutros órgãos dependentes do executivo, de nomeação e confiança política, cujo exercício é subordinado a um programa político-partidário, e funções técnicas de aconselhamento, em que não se verifica aquela dependência, a ASJP, na linha dos princípios orientadores estabelecidos em 2008 e das suas propostas anteriores, é favorável a que se abra um processo de discussão com vista à alteração do Estatuto dos Magistrados Judiciais, limitando as comissões de serviço não judicial que podem ser exercidas por juízes, tornando mais exigentes os critérios de autorização pelos conselhos superiores e impedindo o exercício de funções de confiança político-partidária ou o regresso a funções judiciais após o seu exercício.

Direção Nacional

4 de Julho de 2022