Fuga do arguido João Manuel Oliveira Rendeiro

Face ao interesse público do caso da fuga do arguido João Rendeiro à justiça portuguesa e à discussão que se gerou, a ASJP entende ser adequado expressar a seguinte posição:

– Como decorre dos esclarecimentos publicados hoje na “Nota à Imprensa” do Conselho Superior da Magistratura, no processo 7447/08, o arguido João Rendeiro foi condenado em 15OUT2018 na pena de 5 anos de prisão por crimes de falsidade informática e falsificação de documentos, mas a decisão condenatória não foi ainda executada por causa dos sucessivos recursos para o Tribunal da Relação, Supremo Tribunal de Justiça e Tribunal Constitucional.

– No processo 3707/09, o arguido João Rendeiro foi condenado, em 28SET2021, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão por crime de burla, mas ainda não foi notificado dessa decisão, por ter comunicado ao tribunal que se ia deslocar ao Reino Unido por razões de saúde.

No processo 5037/14, o arguido João Rendeiro foi condenado, em 14MAI2021, na pena de 10 anos de prisão, por crimes de fraude fiscal qualificada, abuso de confiança qualificado e branqueamento, encontrando-se o processo na fase das alegações e respostas aos recursos.

– Neste processo, o arguido esteve sempre sujeito à medida de coacção de termo de identidade e residência (TIR) por nunca terem surgido indícios que justificassem a imposição de medida mais grave como a prisão preventiva.

– Nos termos da lei, o TIR não impede o arguido de se ausentar da residência nem o obriga a obter autorização prévia, mesmo que se desloque para o estrangeiro, desde que comunique ao tribunal o local onde pode ser encontrado e notificado.

– No decurso do inquérito, da instrução e do julgamento, até ao momento, o arguido tinha observado as obrigações decorrentes do TIR e nenhum facto tinha sido levado ao processo que permitisse considerar haver risco de fuga que justificasse a aplicação de medida de coacção mais restritiva da liberdade.

– No dia 13SET2021 o arguido informou o processo que estava ausente no Reino Unido desde o dia 12 até ao 30 deste e que poderia ser contactado através da Embaixada de Portugal naquele país – não pediu autorização prévia para sair nem tinha de o fazer.

– Só com esta ausência do arguido, violadora obrigação de indicar um local de contacto, se indiciou perigo de fuga, o que levou a que o Ministério Público e o assistente BPP requeressem a reavaliação das medidas de coacção.

– Por isso, imediatamente, em 23SET2021, o tribunal determinou que o arguido indicasse o local exacto onde se encontrava e que comparecesse no dia 1OUT2021 para ser ouvido sobre a eventual aplicação de medida de coacção mais grave.

– Ontem, dia 29SET2021, o arguido, já conhecedor do referido despacho, comunicou ao processo que não tem intenção de regressar a Portugal, pelo que o tribunal considerou logo verificados os pressupostos do agravamento das medidas de coacção e determinou a sujeição a prisão preventiva, emitindo os competentes mandados para as autoridades encarregadas de o localizar, deter e devolver a Portugal.

– Nos termos da constituição e da lei, a condenação em pena de prisão por um tribunal de primeira instância não é, só por si, elemento suficiente para sujeitar o arguido a prisão preventiva, se não existirem riscos que o justifiquem. A regra, decorrente das garantias de defesa do processo penal é que o arguido aguarde em liberdade até ao trânsito em julgado da decisão condenatória, que pode demorar meses ou anos, dependendo dos recursos que possam ser interpostos para o Tribunal da Relação, Supremo Tribunal de Justiça e Tribunal Constitucional.

– Como resulta dos factos agora conhecidos, até 13SET2021 não havia fundamento legal para sujeitar o arguido a medida de coacção mais grave que o TIR, nomeadamente prisão preventiva, nem isso foi requerido, e o tribunal também não dispunha de qualquer informação que indiciasse risco de fuga. Quando esse risco foi conhecido, já o arguido estava ausente no estrangeiro.

– No plano da justiça e da moralidade, é a todos os títulos inaceitável que qualquer arguido aproveite das garantias atribuídas pela constituição e pela lei para as desvirtuar e se furtar à acção da justiça e, mais ainda, se, pessoalmente ou através de quem o representa no processo, se der ao desplante de usar esse facto para troçar das autoridades e dos portugueses.

– Com o nosso modelo legal e processual, em que é sempre possível abusar dos mecanismos que permitem introduzir complexidade e morosidade e atrasar a execução das decisões condenatórias, meses e anos a fio, muito para além do que é razoável, quando arguidos com capacidade económica se aproveitam de todos esses “alçapões” para obterem benefícios imorais, o mais fácil é responsabilizar os tribunais e o Ministério Público, que são a face visível do sistema e dão a cara por ele todos os dias, sem pedir aplauso quando fazem bem ou rejeitar a crítica se porventura falham.

– Se dos cidadãos se têm de aceitar como legítimos todos os sentimentos de incompreensão e repulsa por situações como esta levada a cabo pelo arguido João Rendeiro, dos actores políticos, daqueles que organizaram o sistema e que têm a responsabilidade de o mudar quando se detectam fragilidades que potenciam situações imorais, desses tem de se esperar mais do que reacções de aproveitamento e atribuição de culpas.

A ASJP confia que no final se fará justiça e espera, como todos os cidadãos, que o arguido João Rendeiro seja devolvido às autoridades portuguesas para cumprir as suas obrigações e se sujeitar às consequências dos eventuais crimes que se provar ter cometido.

E quando o poder político, os órgãos com competência legislativa, acharem que é o momento para se discutir de maneira séria e aprofundada o nosso modelo processual penal, a ASJP está igualmente disponível.

Direção Nacional

30 de Setembro de 2021